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terça-feira, abril 25

Desencarceramento em massa

O início de 2017 foi marcado por cenas trágicas de mais uma rebelião no sistema penitenciário brasileiro. Apenas nas duas primeiras semanas do ano, ao menos 126 presos foram mortos em conflitos entre facções criminosas ou perseguições policiais no Amazonas, na Paraíba, em Roraima, no Rio Grande do Norte e no Paraná.

Imagem ilustrativa
Não se trata, evidentemente, de novidade: a história de nossas prisões é a história de sua crise. Propostas de reforma também são recorrentes. Há mais de 40 anos, uma CPI sobre o sistema carcerário foi instalada na Câmara dos Deputados, e concluiu que as prisões brasileiras eram “ambientes de estufa em que a ociosidade é a regra (...); tipo de confinamento promíscuo, definido alhures como ‘sementeira de reincidência’, dados seus efeitos criminógenos”.(1) Hoje, diversas alterações legais e duas CPIs depois, a aposta na prisão como resposta preferencial do sistema de justiça criminal não foi revertida, mas apenas reforçada.

Os mais de 600 mil presos e presas no Brasil se amontoam em pouco mais de 370 mil vagas – uma taxa de ocupação de 161%.(2) Nessas condições, falar em ressocialização é uma ironia de mau gosto: é simplesmente impossível desenvolver programas de educação, profissionalização ou mesmo garantir um mínimo de dignidade às pessoas submetidas à custódia estatal. A realidade que se impôs é bem diversa: facções criminosas surgiram como forma de resistência à violência estatal e, hoje, efetivamente controlam os estabelecimentos prisionais, organizando a delinquência e disputando influência dentro e fora do cárcere.

Há vários anos são formuladas alternativas legais para dotar o sistema jurídico-penal de ferramentas mais criativas e eficazes do que o simples encarceramento. A própria edição da Lei de Execução Penal, bem como da Parte Geral do Código Penal, em 1984, tiveram esse objetivo. Nos anos seguintes, a ampliação das possibilidades de substituição da pena de prisão por restritiva de direitos e a multiplicação das hipóteses e modalidades de medidas cautelares diversas da prisão são apenas algumas das alterações legais que tiveram como objetivo reduzir o ritmo do encarceramento no país. Contudo, o movimento segue em sentido contrário: o Brasil tem a quarta população carcerária do mundo, sendo o único desse grupo cuja taxa de encarceramento segue crescendo.

Este Instituto tem denunciado, desde a sua fundação, as mazelas desse estado de coisas. Mas ainda persiste a visão majoritária que aposta na punição em geral – e na pena de prisão, em particular – como forma de solucionar os problemas mais complexos da sociedade. Isso significa que o primeiro desafio é consolidar um consenso mínimo na sociedade no sentido de que o superencarceramento não é uma solução, mas sim um grande problema.

Reconhecido o problema, é preciso identificar as soluções adequadas. Desde o começo do ano, o agravamento da crise penitenciária levou uma série de entidades e movimentos sociais a apresentar uma agenda efetiva de reforma do sistema penitenciário.

O IBCCRIM participou de articulação com a Associação Juízes para a Democracia (AJD), o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD) e a Pastoral Carcerária Nacional, elaborando anteprojetos de lei destinados a racionalizar a legislação penal, processual penal e de execução penal, a fim de enfrentar o superencarceramento como um problema sério. As propostas aumentam a exigência para que a prisão seja decretada e equilibram as penas cominadas aos crimes que estão mais representados nos cárceres brasileiros – na sua grande maioria, crimes patrimoniais cometidos sem violência.

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa e a Conectas Direitos Humanos apresentaram medidas urgentes para reduzir a superlotação carcerária. No início de março, o deputado federal Wadih Damous apresentou 11 projetos de lei destinados a atualizar a legislação e reverter a tendência explosiva que vivemos hoje.

A preocupação não é de hoje. O próprio IBCCRIM foi criado logo depois de um dos maiores massacres prisionais do país, o do Carandiru, em 1992. E, desde 2013, um grupo de organizações articuladas pela Pastoral Carcerária, Mães de Maio e Justiça Global tem buscado pautar uma agenda com propostas de desencarceramento.

Sabemos que alterações legislativas não são suficientes para a transformação do estado de coisas inconstitucional(3) em que vivemos. Diversas mudanças ao longo dos anos não foram capazes de inverter a cultura encarceradora do sistema de justiça, que tão somente replica a ansiedade punitiva da sociedade. Mas a mudança de verdade, que é sobretudo cultural, depende de um impulso político que poderá vir da união de forças em torno desse conjunto de medidas e de esforços.

É preciso reconhecer que um dos principais problemas brasileiros só será resolvido com o desencarceramento em massa.

Notas
(1) Relatório final da CPI do Sistema Carcerário. Diário do Congresso Nacional, Seção I, 04.06.1976, Suplemento, p. 61.
(2) Fonte: Infopen 2014.
(3) “Estado de coisas inconstitucional” é uma expressão usada na petição inicial da ADPF 347.


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