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terça-feira, julho 30

Lei sobre drogas deve mudar para evitar penas desproporcionais à mulher, defende juíza

A legislação sobre drogas no Brasil é genérica e deixa o juiz sem critérios para distinguir o grande do pequeno traficante. A crítica é da juíza Telma de Verçosa Roessing, da Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas de Manaus/AM, que defende alterações legislativas para evitar condenações desproporcionais. “Realmente não há como comparar a mulher que é flagrada levando drogas para o marido na prisão com uma pessoa que fica vendendo grande quantidade de drogas nas chamadas bocas de fumo. Ocorre que os tipos penais previstos na Lei de Drogas são genéricos e não fazem diferença em relação à posição ocupada pelo agente na rede do tráfico, não havendo proporcionalidade das penas. O juiz fica sem critérios objetivos para nortear sua decisão”, afirmou a magistrada, em entrevista à Agência CNJ de Notícias.

Telma Roessing é uma das convidadas para o II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ) vão realizar em 21 e 22 de agosto, em Brasília/DF. Com a participação de vários especialistas, o evento tem o objetivo de discutir soluções para as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no sistema carcerário. A seguir, os principais trechos da entrevista:

A maioria das mulheres presas no Brasil é acusada ou condenada por tráfico de drogas e acaba cumprindo pena privativa de liberdade. A senhora acha que a pena de prisão é adequada?

A pena de prisão não se mostra adequada para as mulheres condenadas por tráfico de drogas nem para qualquer tipo de condenação, haja vista a barbárie do sistema prisional brasileiro constatada, inclusive, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em seus mutirões carcerários. A prisão reproduz desigualdade e não corresponde às funções a ela declaradas. E, apesar de ser um mal necessário em determinadas situações, o Estado não pode querer alcançar a segurança pública só com repressão. É necessário reforçar as políticas públicas de educação, assistência social, inclusão produtiva etc. A responsabilidade pela segurança pública não é só do direito penal.

O que leva as mulheres a se envolverem com o tráfico?

Persiste, ainda, na sociedade, o discurso que associa criminalidade com periculosidade, como se o envolvimento em crimes fosse prática exclusiva de minoria de pessoas perigosas, as quais teriam de ser “transformadas” por meio do encarceramento, afastadas do convívio social. O que se percebe, entretanto, é a criminalização da pobreza. O sistema penal é seletivo. O tráfico de drogas no Brasil tem sido o grande responsável pela ascensão da criminalização feminina. Não há como não associar isso à falência do Estado nas questões sociais.

Qual o perfil das mulheres presas por tráfico de drogas?

Pesquisas realizadas no País apontam que as mulheres presas por tráfico de drogas no Brasil são, em sua maioria, provenientes de estratos sociais baixos. Essa é a clientela das penas privativas de liberdade e também das penas restritivas de direito, as quais não deixam de reproduzir a seletividade do sistema prisional. Sabe-se que os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) indicam que, no Brasil, o tráfico de drogas ilícitas é a atividade que mais leva mulheres à prisão. No Amazonas, mais de 80% das mulheres presas são acusadas por tráfico de drogas.

O que a senhora tem a dizer sobre a mulher que é condenada por ter tentado levar drogas para o marido no presídio?

Realmente não há como comparar a mulher que é flagrada levando drogas para o marido na prisão com uma pessoa que fica vendendo grande quantidade de drogas nas chamadas bocas de fumo. Ocorre que os tipos penais previstos na Lei de Drogas são genéricos e não fazem diferença em relação à posição ocupada pelo agente na rede do tráfico, não havendo proporcionalidade das penas. O juiz fica sem critérios objetivos para nortear sua decisão. Assim, seria muito importante que fossem promovidas alterações legislativas que considerassem as circunstâncias sociais, permitindo a descriminalização de condutas que poderiam ser tratadas fora do direito penal, mesmo que demandassem algum tipo de sanção.

Qual a importância da pena restritiva de direitos para a reinserção social?

Qualquer pessoa condenada que seja poupada da prisão significa ganho. A pena restritiva de direitos evita, de início, que mulheres possam se afastar de seus filhos ou até mesmo de os parir dentro de uma unidade prisional. Isso já é grande ganho em termos de contexto familiar. Por outro lado, fora do sistema carcerário, elas terão mais oportunidades de inserção em políticas públicas de inclusão social. Daí a importância do aumento de serviços públicos voltados para a execução penal alternativa dentro do Poder Executivo que trabalhem, principalmente, uma política de gênero. Para que sejam respostas eficazes, as penas restritivas de direitos devem estar inseridas em política pública ampla de alternativas penais que vislumbre outras práticas de controle social e se agregue a outras iniciativas voltadas à prevenção criminal e à inclusão social. Não tenho dúvida de que os debates do II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino vão evidenciar vários exemplos exitosos no trato com as penas alternativas. Essa troca de experiências será salutar para a construção das propostas.

Como a senhora avalia o grau de aplicação, pelo Poder Judiciário brasileiro, das penas restritivas de direito?

Há mais de 10 anos foi implantada no Brasil, no âmbito do Ministério da Justiça, a política nacional de apoio às penas e medidas alternativas, que vem tentando dar maior eficácia a essas sanções por meio de fomento à criação de estruturas de monitoramento e fiscalização. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem reforçado bastante essa política no âmbito do Poder Judiciário. Antes disso, havia muita resistência dos juízes em aplicar penas restritivas de direitos, pois temiam que se transformassem em sinônimo de impunidade. Essa fase já passou. O que se busca hoje é ampliar o escopo das alternativas penais e reforçar as estruturas já existentes, com apoio do Poder Executivo dos estados. Não tenho estatísticas nacionais, mas aqui no Amazonas os juízes titulares das três Varas Especializadas em Crime de Tráfico de Drogas aplicam penas restritivas de direitos sempre que cabíveis. Há uma quantidade muito grande de processos de execuções de penas alternativas oriundos desses Juízos na vara em que atuo.

Como será a sua participação no II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino?

Minha participação no II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino diz respeito à coordenação do grupo de trabalho Tráfico de Entorpecentes e Penas Restritivas de Direitos, juntamente com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Douglas de Melo Martins. Os coordenadores dos grupos temáticos de trabalho têm a função de colocar o tema proposto em discussão, estimulando debates com a participação de todos os presentes, o que dará origem a propostas que serão votadas, aprovadas e, posteriormente, levadas à plenária para aprovação final. As propostas aprovadas, por certo, subsidiarão ações do CNJ.

Serviço:

II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino
Data: 21 e 22 de agosto de 2013
Local: Escola de Magistratura Federal – 1ª Região (Esmaf) – Setor de Clubes Esportivo Sul, Trecho 2, Lote 21 – Brasília/DF. Fone: (61) 3217-6646
Público-alvo: juízes e servidores que atuam na área criminal e de execução penal, nas esferas federal e estadual, secretários de Administração Penitenciária dos Estados, diretores de penitenciárias, agentes penitenciários, integrantes do Ministério da Saúde, do Ministério Público federal e estadual e profissionais de saúde
Inscrições: até 20 de agosto


Fonte: Agência CNJ de Notícias

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