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quinta-feira, maio 31

Novo artigo 135-A: condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial



Artigo de Rogério Sanches Cunha(*)



  
1.     BREVES COMENTÁRIOS

Objetividade jurídica: A Lei 12.653/12 acrescentou à Parte Especial do CP, mais precisamente no Capítulo III (Da periclitação da vida e da saúde), a mais nova forma de omissão de socorro, praticada mediante o condicionamento de atendimento médico hospital emergencial, punida com 3 meses a 1 ano, e multa (infração penal de menor potencial, salvo na forma qualificada pela morte).


 A tipificação dessa prática rotineira já era esperada. Vejamos.

O Código de Defesa do Consumidor, desde 1990, preceitua que a exigência da garantia para o atendimento é prática abusiva que expõe o consumidor a desvantagem exagerada, causando desequilíbrio na relação contratual (art. 39).

No mesmo espírito, o Código Civil de 2002 garante ser anulável o negócio jurídico por vício resultante de estado de perigo (art. 171, inc. II).

A Resolução Normativa 44 da Agência Nacional de Saúde Suplementar, por sua vez, desde 2003, no seu art. 1º, já alertava:

Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.

Haverá, certamente, doutrina questionando a necessidade de intervenção do Direito Penal. Contudo, é sabido que o princípio da intervenção mínima tem como importante característica a subsidiariedade, ficando a intervenção do Direito Penal condicionada ao fracasso das demais esferas de controle. O comportamento em exame (evidentemente ilícito) não vinha sendo combatido eficazmente pelos demais ramos, aumentado, a cada dia, os casos de constrangimentos aos consumidores, forçados a garantirem o hospital para receberem atendimento de urgência. Justifica-se, portanto, a nosso ver, a incriminação do fato.

Sujeitos do crime:O crimepode ser praticado por administradores e/ou funcionários do hospital. Figura como vítima a pessoa em estado de emergência.

Conduta: Consiste em negar atendimento emergencial, exigindo do potencial paciente (ou de seus familiares), como condição para a execução dos procedimentos de socorro:

a) cheque caução (cheque em garantia), nota promissória (promessa de pagamento) ou de qualquer garantia (endosso de uma duplicata ou letra de câmbio, por exemplo).

b) o preenchimento prévio de formulários administrativos, quase sempre na forma de contratos de adesão favorecendo abusivamente uma das partes (o hospital).

O agente, no caso, aproveita-se de um momento de extrema fragilidade emocional do doente (ou de seus familiares) para, mediante a uma das indevidas exigências acima descritas, garantir para hospital o ressarcimento das despesas realizadas no socorro.

A solicitação de garantia, sem condicionar o atendimento, é fato atípico.

Tipo Subjetivo: Somente se admite a forma dolosa.

Consumação e tentativa: Consuma-se com a indevida exigência, sendo possível, em tese, a tentativa (delito plurissubsistente).

A doutrina, como já acontece nos demais crimes de perigo, discutirá se o delito em exame é de perigo abstrato (perigo absolutamente presumido por lei) ou concreto (perigo deve ser comprovado), lembrando que o STF, recentemente, decidiu que a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal (HC 104.410/RS).

Nos termos de que dispõe o parágrafo único, a pena é amentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave (§§ 1º e 2º do art. 129), e até o triplo se resulta a morte. Trata-se de figura preterdolosa (ou preterintencional), sendo os resultados majorantesdecorrentes de culpa.

(*) Publicado originalmente em Atualidades do Direito

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