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segunda-feira, novembro 14

VITIMOLOGIA E VITIMODOGMÁTICA: UMA ABORDAGEM 'GARANTISTA' - Parte IV

Ana Cláudia Lucas
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6. EFEITOS DO ESTUDO VITIMOLÓGICO NA CRIMINOLOGIA

Os efeitos e as conseqüências das aportações vitimológicas na criminologia produzem contribuições em quatro setores distintos:
a)o estudo das tipologias de vítimas;
b)o estudo sobre as pesquisas de vitimização;
c)o abolicionismo vitimológico;
d)os processos de vitimização e os direitos das vítimas.

a) TIPOLOGIAS DE VITIMAS: dentre tantas na doutrina, a classificação de Mendelsohn ( dupla-penal) e Von Hentig são as que mais se destacam. Von Henting as enquadrou em treze espécies: os jovens, as mulheres, os idosos, os deficientes mentais, os imigrantes, as minorias, os indivíduos de pouca inteligência, os deprimidos, os solitarios etc;

Mendelsohn, a seu turno, as classificou levando em conta a etiologia do fenômeno criminoso em: vitima de culpabilidade menor ou ignorante - aquela que impulsiona involuntariamente o crime, expondo-se ao risco; vítima tão culpável quanto o infrator - é aquela que adere a conduta do criminoso, ou a sugere, como o suicídio por adesão e a eutanásia; a vítima provocadora - aquela que incita, ou dá causa, por imprudência, à ocorrência do delito. Fattah refere interessante e original classificação: vítima provocadora, que admite dois subtipos: provocadora ativa e provocadora passiva e vítima participante, que podem ser ativas ou passivas[1].

As várias tipologias levam em conta o nível de interação entre autor e vítima e, deixam a idéia de que existem vítimas absolutamente inocentes, e outras que têm alguma participação na etiologia ou na execução do delito, a ponto de ser facultada a seguinte indagação: por que tal pessoa foi vítima de tal crime? em contraposição à indagação que faziam os positivistas: por que tal pessoa cometeu tal delito?

b) PESQUISAS DE VITIMIZAÇÃO: a constatação de que a compreensão da criminalidade só é possível a partir do estudo da ação do sistema penal que conceitua, ou seja, a partir das reações das instâncias oficiais de controle social, determinou que os teóricos do modelo interacionista do labeling approach chamassem atenção para a questão referente a "cifra negra", ou seja, para a existência de um grande número de delitos cuja ocorrência não chega ao conhecimento dessas instâncias formais de controle social, o que demonstra que o sistema oficial de controle é falho e, por isso mesmo, a atuação desse controle é seletiva, voltada contra certas pessoas, de determinadas classes sociais. Não se desconhece, é verdade, que as estatísticas policiais e judiciais refeltem apenas uma parte do fenômeno delituoso, cujo conhecimento pleno deve ser buscado por outra forma. E esse distanciamento entre as estatísticas formais e a realidade, não são conseqüência, apenas, do número de crimes que não chegam ao conhecimento das instâncias formais, mas também pela forma como se interpreta um certa notícia. Assim, por exemplo, se é noticiado que aumentaram os flagrantes por crimes de tóxicos, isso poderá evidenciar que melhorou a atuação da polícia, ou como um efetivo aumento da atividade criminosa[2].

Justamente esse distanciamento, entre a criminalidade noticiada e a da realidade, motivou o surgimento das chamadas pesquisas de vitimização, que nada mais são do que questionários aplicáveis a um número considerável de pessoas, a quem se perguntará se forma vítimas de determinado delito, se a ocorrência foi ou não registrada, e por que motivo, aos graus de insegurança e o grau de satisfação com a segurança pública. Essas pesquisas tem logrado méritos, eis que esclarecem as estatísticas oficiais, fornecendo informações preciosas na elaboração de políticas públicas de segurança, descobrindo áreas de risco e expondo os sentimento da população sobre a atuação da polícia. Todavia, também têm seus dissabores, eis que estão limitadas à criminalidade convencional, sendo inúteis à chamada criminalidade moderna (crimes econômicos e meio ambientais, por exemplo).

Essas informações têm revelado, não raro, que: - existe um número maior de delitos do que o número de crimes registrados; - quando se produz o registro é porque há outros motivos diversos do desejo de ver o agente punido; - há um fator influente que diz respeito ao estilo de vida, por exemplo, os jovens, por que saem à noite, estão mais vulneráveis; - as vítimas são de setores mais humildes da sociedade; - com muita freqüência ela conhece o seu agressor e, por fim, - que a percepção de insegurança ou o medo não estão diretamente relacionados com a possibilidade matemática de ser vítima de um delito[3].

Por outro lado, as principais razões para não efetivar um registro policial são: a ineficácia das autoridades policiais (é inútil, ineficaz, incomodo, oneroso); razões ligadas a questões situacionais (proximidade entre vítima e agressor, inexpressividade do dano), preservação da privacidade ou temor da exposição.

c) O ABOLICIONISMO VITIMOLÓGICO: o abolicionismo constitui-se no modo mais radical de negar a legitimação do direito penal, ou seja, é um conjunto de doutrinas, teorias e atitudes ético-culturais que se unem para negar qualquer classe de justificação ou de legitimação do Estado na intervenção punitiva. Algumas dessas críticas lançadas pelos abolicionistas ao sistema penal vão de encontro com proposições vitimológicas[4]. Eis algumas delas:

Atribuídas a Louk Hulsman[5]:

- o sistema penal fabrica culpados, ainda que os interessados diretos na situação tenham outra visão sobre o problema;

- o sistema penal rouba o conflito das partes diretamente envolvidas, estigmatizando-as como delinqüente e vitima;

- a pena imposta pelo Estado perde sua legitimidade porque não guarda nenhuma relação com a pessoa efetivamente prejudicada no conflito;

- a vítima sofre o mesmo processo de privação de identidade que o delinqüente, e suas expectativas pessoais não são levadas em conta;

- o Estado substitui a vítima sem conhecer suas necessidades;

Atribuídas a Nils Christie[6]:

- o conflito penal é decidido por pessoa estranha, e as partes envolvidas não participam da solução deles;

- a vítima só tem papel desencadeador do processo e, depois, presta algumas informações;

- a vítima é uma perdedora tanto frente ao infrator, como frente ao Estado, porque ela não recupera o que perdeu;

- a própria estrutura forense, a linguagem rebuscada, a ritualização dos atos, tudo isso afasta a vítima de seu próprio conflito.
Muito embora a consistência da críticas formuladas pelos abolicionistas, talvez fosse melhor utilizá-las não para abolir, mas para melhorar e humanizar o direito e o processo penal[7].

d) OS PROCESSOS DE VITIMIZAÇÃO E OS DIREITOS DAS VÍTIMAS: a doutrina tem organizado o tema mediante a utilização da seguintes expressões[8]:

- vitimização primária: é o processo causado pelo cometido do delito = causa danos materiais, fisicos e psicológicos e, também comportamentias, como as mudanças de hábito;

- vitimização secundária: aquela causada pelas instâncias formais de controle social (etiquetamento) = dirigidas que estão ao delinqüente, também podem causar um agravamento da vitimização, através do desinteresse sobre o sofrimento, as necessidades e expectativas da vítima. Não raro a vítima sente-se desrespeitada, frustrada ou, quando pior, é colocada como suspeita, ou compelida a incentivar a eficiência policial ou judicial através do pagamento de propinas. Chamada em juizo, as vezes é colocada frente a frente com o criminoso;

- vitimização terciária: causada pelo desamparo, pela ausência de ajuda pública e social = é o abandono pelo Estado, especialmente naqueles casos em que o crime determinou sequelas e consequencias graves à vítima.



[1] Elias Neuman, Victimología...p.30; 
[2] Elena Larrauri, Victimología...p.287; 
[3] Andrade, Manuel da Costa. A Vítima e o Problema Criminal. Faculdade de Direito de Coimbra: Coimbra Editora,1980 
[4] Antonio García Pablos y Molina, Manual...p.92; 
[5] Hulsman, Louk. Penas Perdidas: o sistema penal em questão. Tradução de Maria Lúcia Karam. Niterói: Luam, 1993; 
[6] Christie, Nils. Los Limites Del dolor. Trad. Mariluz Caso. México: Fodo de Cultura Económica, 1984; 
[7] Zaffaroni, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revam,1991; 
[8] Antonio Garcia Pablos de Molina, Manual...p.92;  

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