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domingo, maio 29

Prazo Prescricional em Crime de Estelionato Previdenciário: termo inicial

Divergência jurisprudencial e doutrinária tem contribuído para fomentar dúvida acerca do termo inicial do prazo prescricional no crime de estelionato previdenciário.  A pergunta que não logra ser respondida de maneira uniforme é a seguinte:

- O prazo prescricional no crime de estelionato deve ser contado a partir do pagamento do primeiro benefício ou, ao contrário, do adimplemento da última parcela do benefício?

Em agosto de 2010 o Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento da 2ª Turma proferiu voto no sentido de que a prescrição no crime de estelionato previdenciário começa a correr a partir do pagamento indevido do primeiro benefício percebido (Julgamento HC 91716) e, como conseqüência, a Turma declarou a prescrição, suspendendo a ação penal e os efeitos decorrentes da condenação em primeira instância, corroborando entendimento do STJ

Não obstante, mais recentemente, a 1ª Turma do STF, de maneira diversa, reconheceu que o prazo prescricional neste crime deve ser considerado a partir da data do pagamento da última parcela do benefício previdenciário indevido. Através do voto do Ministro Dias Tofolli, o Habeas Corpus (HC 98194) foi negado, sendo cassada a liminar anteriormente concedida pelo STJ.

O motivo da divergência nas decisões dos Tribunais está assentado sobre a dúvida acerca de ser o crime de estelionato previdenciário uma modalidade delituosa permanente ou, ao contrário, um tipo penal instantâneo, mas de efeitos permanentes.

Os crimes permanentes são aqueles que se prolongam no tempo, ou seja, os que têm a consumação alongada no tempo, e sempre dependente da atividade do sujeito que poderá fazê-la cessar quando assim o desejar. Já os crimes instantâneos são os que se esgotam com a ocorrência de um resultado, ou seja, se completam em um determinado instante, sem que haja qualquer continuidade temporal. Os nomeados instantâneos de efeito permanente são aqueles cuja permanência não depende da continuidade da ação do sujeito ativo.

Assim, se o crime de estelionato for considerado como um delito de caráter permanente, por se tratar de fraude na obtenção de benefício previdenciário que se prolonga no tempo, o termo inicial da prescrição tende a ser reconhecido como aquele que corresponda a data na qual cessou a permanência, ou seja, o dia que cessou o recebimento indevido do benefício – data do pagamento do último benefício.

Se, ao contrário, o delito de estelionato previdenciário for compreendido como instantâneo, de resultados permanentes, a prescrição deverá correr a partir do dia em que o crime se consumou, ou seja, do dia do recebimento do primeiro benefício.

Sobre o tema, Luis Flávio Gomes menciona que: “quando há fraude na obtenção de benefício previdenciário não há como vislumbrar a existência de crime permanente, que apresenta uma característica particular: a consumação no crime permanente prolonga-se no tempo desde o instante em que se reúnem os seus elementos (sic) até que cesse o comportamento do agente. Traduzida essa clássica lição em termos constitucionais, que permite assumir a teoria do bem jurídico como esteira de toda a teoria do delito, dir-se-ia: no crime permanente a lesão ou o perigo concreto de lesão (leia-se: a concreta ofensa) ao bem jurídico tutelado se protrai no tempo e, desse modo, durante um certo período o bem jurídico fica subordinado a uma atual e constante afetação, sem solução de continuidade. O bem jurídico permanece o tempo todo submetido à ofensa, ou seja, ao raio de incidência da conduta perigosa (é o caso do seqüestro, que pode durar dias, meses ou anos - o bem jurídico liberdade individual fica o tempo todo afetado).

(...) Já não basta, assim, dizer que permanente é o crime cuja consumação se prolonga no tempo. Com maior precisão impõe-se conceituar: permanente é o crime cuja consumação sem solução de continuidade se prolonga no tempo.

No estelionato previdenciário (fraude na obtenção de benefício dessa natureza) a lesão ao bem jurídico (patrimônio do INSS) não se prolonga continuamente (sem interrupção) no tempo. Trata-se de lesão instantânea (logo, delito instantâneo: cfr. “TRF 3ª Região, AC 1999.03.99.005044-5, rel. André Nabarrete, DJU de 10.10.00, Seção 2, p. 750)”.

Para Nucci "o crime é sempre instantâneo, podendo por vezes, configurar o chamado delito instantâneo de efeitos permanentes". (Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Revista dos Tribunais,  São Paulo: 2009.

Sobre a qualificação doutrinária do crime de estelionato previdenciário parece não haver outra possibilidade senão considerá-lo crime instantâneo, já que a sua perfectibilização se dá com realização da conduta prevista no tipo.  

Particularmente, inclusive, pensamos que a percepção dos benefícios previdenciários de forma continuada, mensalmente, decorre da manutenção da Previdência na situação fraudulenta criada pelo agente.  Assim, se a cada mês a Autarquia deposita – por estar iludida -  e o beneficiário saca os benefícios oriundos dessa ilusão (obtém a vantagem indevida) pode-se considerar a existência, mesmo, de uma verdadeira continuidade delitiva, já que são múltiplos os crimes de estelionato praticados, correspondentes a cada mês de benefício.

Assim considerado, o benefício legal da continuidade delitiva prevista no artigo 71, é perfeitamente cabível na hipótese de estelionato previdenciário.  

Sobre o tema:


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