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sábado, janeiro 29

Restabelecida interdição de casas prisionais do regime semiaberto


Na quinta-feira (28/1) foi determinada a interdição de oito casas prisionais do regime semiaberto, sob a jurisdição da VEC de Porto Alegre. Fica vedado o ingresso de novos condenados até que ocorra a progressão, já concedida, a 400 presos do regime semiaberto que ocupam as vagas e agravam a superlotação do regime fechado. A decisão, do Juiz de Direito Alexandre de Souza Costa Pacheco, do Juizado da Fiscalização de Presídios, vigora a partir de 14/2 e abrange os seguintes estabelecimentos:

•Casa do Albergado Padre Pio Buck
•Instituto Penal Irmão Miguel Dario
•Instituto Penal de Viamão
•Instituto Penal Profissionalizante
•Instituto Penal de Mariante
•Casa Albergue Santos e Medeiros
•Instituto Penal de Canoas
•Patronato Lima Drummond
A interdição parcial fica mantida até que sejam cumpridas pela SUSEPE todas as decisões judiciais concessivas de progressão de regime para o semiaberto proferidas pela VEC de Porto Alegre.

As casas prisionais listadas somente poderão receber presos dos regimes semiaberto quando provenientes das penitenciárias sob jurisdição da VEC de Porto Alegre, ficando vedado o ingresso de outros presos novos (regimes aberto e semiaberto) e dos presos atinentes à VEC de Novo Hamburgo.

As casas prisionais dos regimes aberto e semiaberto sob a jurisdição da VEC de Novo Hamburgo, por ora, não são atingidas pela decisão, permanecendo com sua situação inalterada, na medida em que inexiste resíduo de 2010.

Inércia

Na decisão, o magistrado critica a falta de soluções do problema, que se agrava há mais de uma década, com incompetência e descaso de sucessivos governos.

Em outra frente, compreende-se que o novo Governo necessite de um tempo para se adaptar, o que não afasta, porém, a necessidade de cumprimento das decisões judiciais e a sua responsabilidade em adotar medidas concretas e objetivas para evitar o iminente colapso do sistema prisional do Estado e o sentimento de insegurança da sociedade, diz o Juiz.

Acrescenta que a luta é de todos. As pessoas precisam aceitar que a criminalidade é um fenômeno fruto da nossa própria sociedade. Não pode haver preconceitos. Não há mais espaço para amadorismo. São imprescindíveis planejamento estratégico, gestão administrativa-prisional e investimento em recursos materiais e recursos humanos. Não podemos mais esconder a sujeira embaixo do tapete. Necessitamos acordar, sob pena de amanhã estarmos chorando as consequências de tantas omissões e descaso.

Abaixo, a íntegra da decisão.



Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre

Juizado da Fiscalização de Presídios

Expediente nº 005/2009

Interdição das Casas Prisionais do Regime Semiaberto sob jurisdição da VEC de Porto Alegre



Vistos.

O Ministério Público, em 12.11.2009, requereu a interdição das casas prisionais de regimes aberto e semiaberto que abrigam presos submetidos à jurisdição das Varas de Execuções Criminais de Porto Alegre e de Novo Hamburgo, de modo que fosse vedado o ingresso de novos presos até que as decisões judiciais concessivas da progressão de regime pendentes de implementação fossem cumpridas. Foi destacado que, apesar de centenas de expedições de ofícios e intimações pessoais do Superintendente da SUSEPE para o cumprimento das decisões judiciais, 877 presos sob jurisdição das VEC's de Porto Alegre e Novo Hamburgo ainda não haviam sido removidos para casas compatíveis com o regime semiaberto por ausência de vaga. Nesse passo, formou-se uma “fila”, que somente “anda” quando, na outra ponta, fugas ocorrem.

O ilustre Juiz da Fiscalização de Presídios, Dr. Sidinei José Brzuska, em 27.11.2009, deferiu a interdição parcial e temporária, com vigência a partir de 01.12.2009, dos estabelecimentos prisionais de Porto Alegre e Novo Hamburgo. Vedou o ingresso de outros presos que não fossem provenientes das penitenciárias sob jurisdição das VEC's de Porto Alegre e Novo Hamburgo, até que a SUSEPE cumprisse todas as decisões concessivas de progressão ao regime semiaberto pendentes.

Por oportuno, transcrevo parte da decisão:

“Há três anos, pelo menos, a Superintendência dos Serviços Penitenciários – SUSEPE descumpre as decisões judiciais concessivas de progressão de regime, emanadas pelos Juízes da Vara das Execuções Criminais de Porto Alegre.

'De acordo com a documentação que acompanha o pedido, o Superintendente da SUSEPE, desde 2007, já foi intimado pessoalmente pelo 2.134 vezes de que as decisões judiciais de progressão de regime estavam sendo descumpridas.

'Nenhuma providência real e efetiva foi tomada para resolver a situação. Ao revés, o quadro vem se agravando todos os meses (...) No dia 16.11.2009, por exemplo, havia cerca de 1.000 (mil) presos com progressão para o semiaberto deferida e que continuavam trancafiados com apenados do regime fechado.

'Os mecanismos até agora adotados para o cumprimento das decisões não atingiram a finalidade desejada. Intimações pessoais, advertência de responsabilização pessoal, ação civil pública, mandados de prisão contra o Superintendente da SUSEPE, reuniões administrativas. Nada disso fez com que as decisões de progressão de regime passassem a ser cumpridas.

(...)

'Enquanto isso os albergues já abarrotados continuam a receber presos novos da rua, o que faz com que o cumprimento das decisões de progressão sejam postergadas ainda mais.

'Nesse contexto, justo se afigura o critério proposto pelo autor do pedido, no sentido de que as pessoas que já estão com a liberdade cerceadas e que já cumpriram parte de suas penas tenham preferência na ocupação as escassas vagas dos albergues.

'Não é lógico, por outro lado, que o condenado que sequer iniciou o cumprimento da pena acabe tomando o lugar nos albergues, como acontece hoje, em detrimento daqueles que estão aguardando vaga no regime fechado, embora exista decisão judicial assegurando a semiliberdade.

'Por outras palavras, como o Estado está fazendo um juízo de escolha entre quais decisões judiciais devem ser cumpridas primeiro, os que já estão presos e mais adiantados na execução da pena devem ser preferencialmente contemplados.

'Para que isso ocorra, não resta outra alternativa senão a interdição de todas as casas dos regimes aberto e semiaberto da região metropolitana, pelo menos até que sejam implementadas de fato todas as decisões concessivas da progressão de regime”.

Em 09.12.2009, após o Superintendente da SUSEPE ter informado que todas as decisões judiciais concessivas de progressão de regime da VEC de Porto Alegre foram “cumpridas”, restou suspensa a interdição das casas prisionais respectivas.

Em ofício encaminhado ao Sr. Corregedor-Geral da Justiça, o magistrado Sidinei José Brzuska anotou: “Entretanto, para cumprir as ordens de progressão, a SUSEPE passou a descumprir as decisões de interdições parciais dos albergues, desrespeitando os tetos fixados. Mais uma vez as casas de semiaberto passaram para a superlotação e novamente dispararam os índices de fuga. Por outras palavras, para cumprir uma decisão judicial a SUSEPE descumpre outra. Mesmo assim, hoje (06.05.2010) remanescem 280 presos com progressão deferida e que continuam no regime fechado”.

Denota-se, assim, que a SUSEPE, ao “cumprir” todas as decisões concessivas de progressão de regime, superlotou as casas dos regime aberto e semiaberto irresponsavelmente, desrespeitando os tetos (já estabelecidos além da capacidade engenharia) fixados judicialmente.

Em 31.05.2010, diante do aporte de diversas reclamações dando conta do descumprimento das remoções para o regime semiaberto de presos confinados no fechado (o que ocorre até a presente data), este juízo ordenou o cumprimento dos tetos estabelecidos para o IPM, CPA e IPEP, bem como o cumprimento de todas as progressões de regime ao semiaberto pendentes.

Em 1º de julho de 2010, após a intimação formal do Superintendente da SUSEPE para que cumprisse o teto estipulado no IPM, CPA e IPEP, bem como as decisões concessivas da progressão de regime, foi, na ausência de qualquer resposta, restabelecida a interdição total das casas prisionais sujeitas às jurisdições das VEC's de Porto Alegre e Novo Hamburgo, a partir de 20.07.2010, até que a SUSEPE cumprisse as ordens judiciais.

Realizada reunião na Corregedoria-Geral da Justiça, em que estiveram presentes os representantes da SUSEPE, Ministério Público e Judiciário, postergou-se para o dia 30.07.2010, o início da vigência da interdição.

Nesse contexto, além de “prometer” que alugaria um prédio para abrigar os presos dos regimes aberto e semiaberto, o último Governo lançou o projeto “Novo Paradigma”, que previa a construção de “albergues emergenciais”. Três albergues vieram a ser destinados para a região metropolitana sob jurisdição da VEC de Porto Alegre. Ocorre que um está sendo usado por presas mulheres, em face da interdição da Casa Albergue Feminino - CAF. Outro, no Instituto Penal de Viamão, foi incendiado pelos presos (o que era previsível dada a fragilidade da construção). O último, localizado no Instituto Penal Irmão Miguel Dario, está inacabado e, porque não há como ser fornecida água pelo sistema de bombeamento existente, deve representar mais um exemplo de desperdício do dinheiro público.

Ademais, é interessante sublinhar que, em se tratando de “albergues emergenciais”, pressupunha-se que o Estado, ciente de sua responsabilidade e paralelamente, providenciasse a construção de albergues definitivos. Todavia, tem-se notícia, somente, da construção de um novo albergue no Instituto Penal de Mariante, já concluída, mas que, por questões burocráticas (falta pagar um valor para a Caixa Econômica Federal), não está sendo ocupado. No contexto atual, de déficit de vagas em todo o sistema prisional, é extremamente preocupante como o Estado elege suas prioridades e gastos.

Conforme já salientado, esses albergues emergenciais são deveras frágeis, de plástico por fora e gesso por dentro. Inexiste capacidade de contenção. As grades são finas e fixadas com rebites. Não possuem espaços para atividades laborais ou educativas. Não dispõem de pátio para visitação. Sequer há alas administrativas.

Não por acaso, o albergue emergencial do IPV foi totalmente destruído pelo incêndio provocado pela revolta dos presos no ano passado.

Então, o projeto “Novo Paradigma” fracassou, situação prevista pelos Juízes da Execução Criminal e exposta às autoridades governamentais.

De outro lado, o Governo Estadual, conquanto tenha anunciado e assegurado a locação de um prédio comercial para os presos em regime de semiliberdade, após repercussão negativa da comunidade do Bairro Navegantes, acovardado e temendo desgaste de sua imagem às vésperas da Eleição/2010, desprezou a locação, colocando em último plano, mais uma vez, os presos. Isso, aliás, já não surpreende, tamanho o descaso e incompetência no trato das questões afetas ao sistema prisional. Incompetência e descaso, aliás, existentes há mais de uma década.

Em 10.08.2010, este juízo suspendeu outra vez a interdição após informação da SUSEPE de que, no dia seguinte, haveria a ocupação do novo prédio do IPEP e do albergue de Novo Hamburgo. Ademais disso, sensíveis ao grave problema, os Juízes das Varas de Execuções Criminais de Porto Alegre e Novo Hamburgo, em 13.08.2010, acolheram a proposta da SUSEPE, que previa o uso de monitoramento eletrônico para os presos do regime aberto que atendessem determinadas condições (não condenados por crime hediondo, não condenado por mais de um crime violento, bom comportamento carcerário, não tenham praticado crime doloso durante o cumprimento da pena no regime aberto e que consentissem com o uso da tornozeleira eletrônica), liberando-os do pernoite nos albergues. Assim, temporária e emergencialmente, poderiam ser abertas vagas para os presos de regime semiaberto. Por certo, deveria o Governo trazer a solução definitiva, o que não nunca ocorreu.

O uso das tornozeleiras eletrônicas, infelizmente, não surtiu o efeito esperado, já que, em 16.11.2010, ainda remanesciam aproximadamente 300 presos aguardando remoção para o regime semiaberto. Em face disso, expediu-se ofício à então Secretária-Geral de Governo, Sra. Ana Pellini, para que fosse informado se o Governo possuía alguma proposta para a resolução imediata do problema.

Não respondido o ofício, determinou-se a intimação pessoal do Superintendente da SUSEPE para que, em 48h, esclarecesse o descumprimento das decisões judiciais de remoção dos apenados vinculados às VEC's de Porto Alegre e Novo Hamburgo.

O mandado foi cumprido em 25.11.2010, não aportando qualquer resposta na VEC.

Diante desse cenário de desídia e descompromisso do Governo, somado à inexistência de albergues nos moldes da Lei de Execução Penal, os Juízes dos 1º e 2º Juizados da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, a partir de 1º.12.2010, passaram a ordenar a suspensão do cumprimento dos mandados de prisão expedidos contra presos foragidos do regime aberto e, também, a conceder prisão domiciliar aos presos recolhidos no regime aberto.

Contudo, em 16.12.2010, foi informado pela SUSEPE que 560 apenados ainda aguardavam remoção para o regime semiaberto, reclusos no fechado. Nessa data, 142 presos do regime aberto já haviam sido beneficiados com a prisão domiciliar.

Hoje o número de beneficiados (presos que estavam recolhidos no regime aberto, presos foragidos do regime aberto que se apresentaram em juízo e presos que receberam progressão de regime ao aberto) já passa de 626.

Não obstante a concessão de prisão domiciliar aos presos do regime aberto e de todas as medidas já adotadas, permaneciam, até 24.01.2011, somente da VEC de Porto Alegre, aproximadamente 400 presos em regime fechado aguardando a remoção para o semiaberto, sendo 233 remanescentes do ano de 2010.

Em razão do não-cumprimento das decisões judiciais concessivas de progressão de regime, a omissão do Estado acabou agravando a superlotação carcerária dos presos de regime fechado. Isso porque, ao invés de estarem no regime semiaberto, 400 presos ainda não removidos ocupam as vagas do regime fechado.

Não por acaso, a SUSEPE, admitindo implicitamente sua incapacidade de resolver em curto prazo as remoções dos presos ao semiaberto, por falta de vagas, informou a este juízo a superlotação carcerária da Penitenciária Estadual de Charqueadas e da Penitenciária Modulada de Charqueadas. Pediu, por conseguinte, que presos do regime semiaberto, recolhidos nessas casas prisionais, fossem removidos imediatamente, excepcionando a lista de antiguidade.

O pedido foi de plano rechaçado, porque a proposta desrespeitava a ordem das remoções e porque a situação do Presídio Central de Porto Alegre – já interditado – era e é muito mais grave do que as casas prisionais de Charqueadas, embora estas, desde a última interdição do Presídio Central, tenham tido aumento da sua população carcerária.

Em suma, o descumprimento das decisões judiciais concessivas de progressão de regime permanece, embora desde 2009 os Juízes das Varas de Execuções Criminais de Porto Alegre e Novo Hamburgo e do Juizado da Fiscalização de Presídios tenham instado o Governo a cumpri-las, impondo-se, novamente, a interdição das casas prisionais de regime semiaberto submetidas à jurisdição da VEC de Porto Alegre.

As casas prisionais dos regimes aberto e semiaberto sob a jurisdição da VEC de Novo Hamburgo, por ora, não são atingidas pela presente decisão, permanecendo com sua situação inalterada, na medida em que inexiste resíduo de 2010.

Em outra frente, compreende-se que o novo Governo necessite de um tempo para se adaptar, o que não afasta, porém, a necessidade de cumprimento das decisões judiciais e a sua responsabilidade em adotar medidas concretas e objetivas para evitar o iminente colapso do sistema prisional do Estado e o sentimento de insegurança da sociedade.

É sabido que novas casas prisionais devam ser construídas e, as já existentes, melhoradas. Para tanto, espera-se não somente a iniciativa do Governo, mas também a colaboração da sociedade civil.

A luta é de todos. As pessoas precisam aceitar que a criminalidade é um fenômeno fruto da nossa própria sociedade. Não pode haver preconceitos. Não há mais espaço para amadorismo. São imprescindíveis planejamento estratégico, gestão administrativa-prisional e investimento em recursos materiais e recursos humanos. Não podemos mais esconder a “sujeira embaixo do tapete”. Necessitamos acordar, sob pena de amanhã estarmos chorando as consequências de tantas omissões e descaso.

Em face do exposto, RESTABELEÇO a interdição das seguintes casas prisionais da VEC de Porto Alegre: a) Casa do Albergado Padre Pio Buck (já interditada em outro expediente por suas precárias condições); b) Instituto Penal Irmão Miguel Dario; c) Instituto Penal de Viamão; d) Instituto Penal Profissionalizante; e) Instituto Penal de Mariante; f) Casa Albergue Santos e Medeiros; g) Instituto Penal de Canoas; e h) Patronato Lima Drummond.

Referidas casas prisionais somente poderão receber presos dos regimes semiaberto quando provenientes das penitenciárias sob jurisdição da VEC de Porto Alegre, ficando vedado o ingresso de outros presos novos (regimes aberto e semiaberto) e dos presos atinentes à VEC de Novo Hamburgo.

A presente decisão não altera os regramentos para o recolhimento dos presos foragidos do regime semiaberto dos albergues da VEC de Porto Alegre, permanecendo em vigor, quanto a estes, as decisões de recolhimento dos respectivos juizados.

Permanecem inalteradas também as regras de transferência entre as casas prisionais interditadas, uma vez que a movimentação lateral de presos não afeta a questão da falta de vagas. Ao contrário, serve para adequá-las.

A interdição parcial ora restabelecida ficará em vigor até que sejam cumpridas pela SUSEPE todas as decisões judiciais concessivas de progressão de regime para o semiaberto proferidas pela VEC de Porto Alegre.

Para permitir que a SUSEPE faça as comunicações necessárias, especialmente aos demais órgãos que atuam na segurança pública, a interdição valerá a contar de 14.02.2011.

Intimem-se o Estado do Rio Grande do Sul e o Superintendente da SUSEPE, pessoalmente.

Cientifique-se os Juízes e Promotores da Execução Criminal.

Porto Alegre, 28 de janeiro de 2011.


Alexandre de Souza Costa Pacheco
Juiz de Direito
Juizado da Fiscalização de Presídios

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