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sexta-feira, maio 21

Exemplos de sala de aula e pesquisa jurisprudencial

Não são raras as vezes que eu justifico aos meus alunos que os exemplos que forneço em sala de aula, a respeito de comportamentos infracionais, por mais bizarros que possam parecer, não são objeto da minha imaginação - que é bastante fértil, é verdade - - porque sempre procuro referir sobre casos encontradiços na jurisprudência.

Hoje, nas turmas da manhã e da tarde, na disciplina  de Direito Penal V, nos ocupamos da pesquisa jurisprudencial, nos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sobre crimes praticados por funcionários públicos contra a administração pública.

A aluna Luiza Pereira Buroxid, em seu trabalho de pesquisa, encontrou interessante jurisprudência sobre a conduta do Peculato de Uso que, por curiosa, merece ser publicada aqui.

EMENTA: PREFEITO MUNICIPAL - PECULATO DE USO - TELEFONE PÚBLICO INSTALADO NA CASA DO PAI DO DENUNCIADO - Embora demonstrado que o terminal da linha telefônica (orelhão!) já havia sido instalado muito antes do início da gestão do denunciado, é de receber-se a denúncia, se ainda não estiver inteiramente afastada a hipótese de omissão criminosa por parte do alcaide, que manteve o terminal na residência do pai, usufruindo, tanto um como outro, da comodidade desse bem público, em detrimento dos demais habitantes da localidade. Denúncia recebida à unanimidade. (Processo Crime Nº 70004413415, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 05/10/2005).

A jurisprudência do TJRS é extraordinária pela conduta descrita - uso de um "orelhão" instalado dentro da casa do pai do Prefeito - mas é interessante, por outro lado, porque traz à colação a discussão acerca da existência, ou não, do crime de Peculato de Uso.

Assim como sucede com o crime de furto há quem sustente, na doutrina, inexistir peculato quando o funcionário público utiliza um bem qualquer, infungível, em benefício próprio ou de terceiros, mas com a intenção de devolvê-lo.

 Ou seja, sem que exista o 'animus' de tornar-se dono, senhor, de apossar-se em definitivo do bem que não lhe pertence não haverá o delito. Nesse sentido, não seria crime de peculato usar um carro, por exemplo, que está confiado ao funcionário público para uso em serviço, para atender necessidades particulares. O ilícito, nesta situação, seria apenas administrativo. Porém o uso do bem, quer por sua natureza, quer pela duração, há de ser de tal ordem que não comprometa a utilização dele pela administração pública ou pelos administrados.

Na jurisprudência pesquisada pela aluna Luiza, o uso do orelhão, de forma exclusiva, impede sua utilização pelos demais administrados (demais habitantes da localidade). E, por isso, o peculato de uso pode ser reconhecido para autorizar o recebimento da denúncia.

Porém, é preciso dizer que se o bem for fungível, ou se constituir em dinheiro, por exemplo, não haverá peculato de uso. Nesse caso, se o funcionário utiliza de dinheiro que tem sob sua guarda, ou o subtrai, pratica peculato, incidindo em pena que varia de 02 a 12 anos de reclusão.

É necessário salientar que mesmo não havendo peculato de uso para bens infungíveis subsistirá ocorrência de ato de improbidade administrativa por haver o funcionário utilizado, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade pública, tudo conforme prevê a Lei 8429/92 (que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos, nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na adminstração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências). 

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