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terça-feira, maio 25

Apontamentos sobre a ‘personalidade do agente’ como circunstância judicial a ser valorada pelo julgador no cálculo da pena base.

O artigo 59 do Código Penal Brasileiro lista as circunstâncias judiciais -subjetivas e objetivas - que deverão ser avaliadas pelo julgador, através de juízos valorativos a fim de permitir ao mesmo alcançar a quantidade da pena base a ser fixada em razão da prática delituosa e conseqüente condenação.

Dentre as circunstancias judiciais subjetivas está presente àquela referente à ‘personalidade do agente’. Através da inclusão desta circunstância no rol do artigo 59 é de imaginar-se tenha pretendido o legislador atribuir ao juiz aferição sobre a possível periculosidade do agente, de modo a punir-lhe com maior gravame, em face dos riscos de que possa, em face do seu perfil, voltar a praticar conduta criminosa.

Além disso, é preciso lembrar que antes da reforma penal de 1984 – Lei 7209/84 que alterou substancialmente a Parte Geral do CPB - era possível aplicação de pena e medida de segurança, de forma cumulativa, aos indivíduos perigosos. Assim, caso entendesse o juiz sobre a “personalidade delinqüente” do acusado seria indicado o sistema do duplo binário, ou seja, a cumulação de pena e medida de segurança.

Atualmente, em face da adoção do sistema vicarial ou vicariante essa alternativa não é possível, de modo que o juiz deverá optar por aplicar pena ou medida de segurança.

A definição de ‘personalidade’ não é tarefa fácil. Mais difícil ainda para o juiz que, sendo leigo em assuntos próprios da psiquiatria e da psicologia enfrenta infausta empreitada por ocasião da avaliação desta circunstância judicial. E, por necessidade de desincumbir-se dela, nas sentenças, não é incomum que a justificativa na valoração da ‘personalidade do agente’ venha através das palavras ou expressões: “personalidade agressiva”, “personalidade voltada ao crime”, “personalidade perigosa”, “personalidade tranqüila”, “personalidade boa”, “personalidade vil” etc.

EMENTA: CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. 1. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONDENAÇÃO. Não há falar em insuficiência de prova quando o próprio réu admitiu a prática do roubo e as vítimas o reconheceram, categoricamente, como um dos agentes que cometeu o delito. Condenação mantida. 2. MAJORANTE. EMPREGO DE ARMA. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. Dispensável a apreensão e perícia da arma de fogo para caracterizar a majorante descrita no art. 157, §2º, I, do CP, quando a utilização do utensílio vem demonstrada por outros elementos hígidos de prova, como a palavra unânime das vítimas. Entendimento em consonância com recente entendimento do STF. Majorante mantida. 3. REDUÇÃO DA PENA CORPORAL. DESCABIMENTO. Se o exame das circunstâncias judiciais não resulta totalmente favorável ao acusado, viável a fixação da basilar acima do mínimo legal. Personalidade desajustada do agente que vem demonstrada pela reiteração criminosa, inclusive quando foragido do sistema prisional. Apenamento mantido. 4. PENA PECUNIÁRIA. ISENÇÃO. Inviável o pedido de isenção do pagamento da pena de multa por conta das precárias condições econômicas do réu, uma vez que a incidência da sanção pecuniária decorre de disposição legal, não sendo facultado ao juiz deixar de aplicá-la cumulativamente com a pena privativa de liberdade prevista em lei. Por sua vez, não há falar em afronta ao princípio da intranscendência da pena, insculpido no art. 5º, XLV, da CF, o qual garante ao réu que a pena a ele aplicada não passará de sua pessoa, pois eventual reflexo na situação econômica de seus familiares constitui mero efeito indireto da condenação. APELO DESPROVIDO. À UNANIMIDADE. (Apelação Crime Nº 70030355630, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 12/08/2009)

Tais expressões nada expressam do ponto de vista psicológico, já que o conceito de personalidade pode ser apregoado como o conjunto dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam o indivíduo na vida cotidiana, sob condições normais (Kaplan, Sadock & Grebg).

Assim, uma pessoa, entendida como global não pode ser totalmente agressiva, integralmente perigosa, inteiramente tranqüila, completamente boa, totalmente vil, globalmente ajustada ou desajustada, normal ou anormal, porque somos a reunião de todos esses adjetivos (agressivos, tranqüilos, perigosos, bons e maus, ajustados e desajustados, normais e anormais).

Por isso é tão complexo ao juiz dizer da personalidade do agente, porque a complexidade psiquiátrica desse conceito dificulta até mesmo aos mais iluminados profissionais da área médica uma precisa definição.

Como não pode escapar o julgador da análise desta circunstância é prudente que o faça atendendo não só a índole ou atitude do acusado, mas também investindo na história pessoal e familiar do réu, e em todas as etapas de seu ciclo vital, desde que tudo isso possa ter vindo aos autos do processo – o que, como se sabe, é uma exigência de direito processual. Caso contrário, smj.,não poderá o juiz sopesar a circunstância em desfavor do réu.
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Um comentário:

Romulo Araújo disse...

Bom dia, acho muito interessante a questão a respeito da periculosidade do agente e o sistema de aferição pelos juízes quanto a sua aplicação principalmente no caso das medidas de segurança. E ainda na sua aplicação durante o processo de forma provisória.
Corre-se o risco de se colocar no mesmo espaço um inimputável de alta periculosidade com um imputável nem tão perigoso assim.
Sigo seu blog a apenas 2 dias mas já me deparo com situações interessantíssimas quanto as exposições feitas pela Dra. Parabéns.